segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Segredo da Escuridão - Contos Sombrios 03

O Retorno a Roma
por E.H.Mattos
Transcrito por Kane Ryu

Haviam passado poucas décadas desde que deixou Roma e isso foi logo depois do fim do império de Augusto, o primeiro imperador romano. Beatrice havia deixado a cidade resignada a nunca mais voltar. Porém a palavra 'nunca', para uma vampira, era algo complicado de se aplicar e ela acabou não resistindo a saudade de sua amada cidade natal. Afinal o 'nunca' melhor aplicado era aquele que informava o fato de não deixar de ser uma romana e continuar sendo, mesmo que dois mil anos se passassem.

A vampira caminhava nas ruas da capital do mundo novamente. Nunca imaginou que sentiria tanta falta daquela cidade e depois de décadas longe, muita coisa tinha mudado. Além do fato do imperador não ser Augusto, havia um clima sombrio no ar. A cidade parecia ter caído em trevas e não era só porque vampiros viviam ali, os humanos também estavam vivendo em clima de confronto diante das insanidades e sede de poder de seus governantes, assim como divergências filosóficos e religiosos.

Ela tinha jurado que após o fim do império de Augusto, não ia se envolver em política humana, muito menos na romana e preferia ignorar até quem estava no poder, pois sabia que não duraria muito por lá, pelo pouco que soube ao caminhar pelas ruas da cidade.

Também não queria conversa com nenhum dos seus e caçava solitária por Roma, evitando qualquer um que não tivesse interesse em toma-lhe o sangue.

Sua atitude de isolamento se dava desde que seu criador a tinha deixado. Ela evitava a própria espécie por não confiar em nenhum deles, além do fato de gostar de estar mais entre os humanos e de forma pacífica.

Não que fosse uma vampira querendo ser amistosa com os humanos, pois não tinha problema em matá-los. Se tinha algo que nunca teve, era hesitação em matar caso fosse necessário. A verdade é que dava muito trabalho matar e se manter no mesmo lugar por muito tempo, pois logo começavam a desconfiar da presença de um "ser maligno" e era obrigada a se mudar.

Claro que para isso a tentação em beber até a última gota de sangue de um humano, teve que ser contida. Ela aprendeu a resistir, mas algumas vezes era complicado. Porém, só passou a deixar as vítimas vivas, depois que aprendeu a brincar com a mente humana, aproveitando a caçada de outras formas que não somente beber o sangue dos humanos. Porque nunca deixaria alguém vivo, sabendo quem ela era na realidade.

A vampira seguia por uma rua das mais afastadas do centro de Roma, após ter se saciado com dois belos e fortes soldados romanos. Sorria pensativa, lembrando da época dos centuriões e das grandes legiões romanas. Ficando tentada em saber se ainda existia essa mesma hierarquia no exército romano. Os soldados sempre a fascinaram.

Foi naquele momento de saudosismo, que Beatrice sentiu a presença de um outro vampiro.

A vampira não quis abrir sua mente para se comunicar com seu igual, optando por falar num tom muito baixo, que a distância só um outro vampiro ouviria.

_ Quem é você? _ questionou Beatrice.

Não houve resposta, mas ela não sentia hostilidade da parte do outro e por isso se deixou pegar. Estava curiosa quanto a quem a observava. Não era de sua mesma linhagem, isso ela logo soube, mas era bem forte.

O vampiro a puxou para uma ruela paralela a principal, onde estavam, buscando ficar distante de possíveis olhores humanos curiosos. Ele a precionou contra um muro, prendendo-a com a pressão do próprio corpo, o que para a surpresa dele, a fez sorri deliciada com a ousadia. Beatrice logo pensou que ia ser divertido medir forças com aquele belo espécime masculino e não demonstrou nenhuma resistência a princípio.

_ Eu que pergunto. _ questionou o vampiro sério, diante do sorriso maroto da vampira.

Ele mantinha-se oculto por uma capa com capuz e apenas seu rosto estava visível. Porém Beatrice podia sentir o corpo forte e bem definido junto ao dela. A boca e os traços másculos do vampiros tinha uma beleza peculiar. Os traços suaves, mesmo sendo de um homem adulto, dava a ele uma aparência de garoto, mas os olhos verdes, os quais possuíam um brilho cintilante, eram cheios de malícias e revelavam sua maturidade. Olhos que provavelmente já tinham feito muitas se perderem neles.

_ Vamos... Diga! Quem é você, estrangeira? _ insistiu na pergunta, agora ficando irritado, mais pelo sorriso da vampira, que pelo silêncio.

_ Eu sou romana.

_ Pois eu nunca a vi por aqui.

_ Porque nasci numa época anterior a essa, pouco antes do primeiro imperador governar Roma.

O vampiro a soltou quase que de imediato, ao ouvir a vampira falar do imperador Augusto e buscou se afastar de Beatrice. Só que ela inverteu o jogo e o puxou para si, jogando-o contra a parede oposta ao muro em que estavam e o prendeu com facilidade usando o próprio corpo, mesmo que fosse menor que ele e aparentemente mais frágil.

_ Então é jovem...

_ Não quero encrenca. _ disse o vampiro, não com medo, mas num tom respeitoso.

_ É tarde. _ diz Beatrice que estava fascinada pelo vampiro, perdida nos olhos verdes dele.

O interesse evidente dela, deixou o vampiro um tanto preocupado, mas também o excitava.

Beatrice resolveu tomar a iniciativa e beijou o pescoço do vampiro, passando a língua de forma provocante e então buscou pela jugular dele. Após um breve momento de dúvida, o vampiro permitiu que ela o mordesse, pois assim como Beatrice se perdeu nos olhos verdes do vampiro, ele também parecia igualmente perdido nos olhos azuis da vampira e nos cachos dourados de sua vasta cabeleira.

Por um breve momento Beatrice deixou-se embriagar pelo sangue do jovem vampiro, mas logo percebeu que ele não era um vampiro qualquer.

_ Você é mais forte do que deixa transparecer.

O vampiro sorriu timidamente, mas nada diz, ainda sentia o corpo entorpecido pelo prazer da mordida.

_ Por que não conversamos com privacidade em minha casa? _ propôs Beatrice.

_ E por que eu iria a sua casa?

_ Se eu quisesse te fazer algum mal, pode ter certeza que faria aqui, não iria me dar ao trabalho de levá-lo a minha casa.

Diante da dúvida do vampiro de cintilantes olhos esmeralda, Beatrice tocou os lábios dele com os seus e passou a língua entre eles***. Ao encontrar com ela os caninos afiados do vampiro, Beatrice feriu a própria língua, permitindo que o vampiro sentisse o gosto de seu sangue.

A vampira sabia bem como ser irresistível e aquele ato despertou um desejo selvagem no vampiro. Um desejo que tomou conta dele de forma avassaladora e o fez buscar por um pouco mais do sangue da vampira, ainda nos lábios dela. A atitude inesperada fez Beatrice ri, deliciada com as possibilidades. O jovem vampiro a embriagava com suas carícias e beijos provocantes, fazendo-a ansiar por mais.

_ Quem é vocês? _ questionou o vampiro antes de aceitar a proposta e ir para a casa de Beatrice.

_ Alguém que está disposta a dividir a cama com você, mas sem disposição alguma para respoder perguntas.

_ Posso lidar com isso. _ diz ele afinal, com um sorriso maroto iluminando o rosto juvenil.

_ Ótimo!

Naquela noite Beatrice não só levou o jovem vampiro para sua casa, como conseguiu saciar uma antiga curiosidade sua, estar com outro de sua própria espécie, sem ser seu criador. Porque ela nunca tinha estado com nenhum vampiro daquela forma tão íntima. Um tipo de intimidade que só teria nos braços de um dos seus e aquele era um deus entre os da sua espécie. O que a fez pensar que talvez não fosse assim tão ruim estar com outros seres das sombras.

2010

K.R.


***Naquela época os franceses ainda não tinham inventado o beijo como conhecemos (o qual por muito tempo foi chamado de beijo francês), mas alguns vampiros já ensaiavam algo do tipo e tem quem diga que provavelmente foi algum vampiro da França que inventou tal beijo.

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